Bibliothèque Dossiers E-mail Carte du site Liens
frenchspanishportuguese
Recherche par Mot-clef
Texte intégral


mars 2004
dossier 1

juin 2004
dossier 2

septembre 2004
dossier 3


 

Dossiê n°1/março 2004

Da adesão à observância terapêutica : reunir as condições necessárias para uma primo-observância e desenvolver uma diversidade de intervenções a longo prazo

Os termos : observância, adesão, concordância e mesmo o de " compliância ", são freqüêntemente e as vezes indistintamente utilizados para definir " um comportamento segundo o qual um paciente toma um medicamento segundo uma prescrição dada.
Este dossiê apresenta uma síntese dos debates entre os militantes e os profissionais de saúde em torno desses termos no momento em que os anti-retrovirais começaram a aparecer (1995). Estes debates tiveram como efeito enterrar definitivamente o termo de " compliância " no campo da infecção pelo HIV. Este termo é julgado, desde então, relevando de uma relação autoritária entre o médico e seu paciente.
Este dossiê descreverá também, as definições e o que está em jogo ao nível estratégico, quanto a utilização dos termos "adesão" e "observância", e suas implicações em termos de práticas profissionais e de pesquisa.
Será também a ocasião de apresentar o modelo MOTHIV* criado e desenvolvido por Comment Dire (Catherine Tourette-Turgis e Maryline Rebillon, 2002). Modelo este englobando a adesão na observância e propondo um ponto de vista novo sobre o conceito de motivação aos cuidados.

*Modelo de aconselhamento aplicado à observância terapêutica dos tratamentos da infecção HIV.

dossiê
120 Ko

 

Catherine Tourette-Turgis, Professora Universitária em Psícologia Social de Saúde e em Ciências da Educação
Maryline Rébillon,
Psicóloga, Diretora da Comment Dire
Lennize Pereira-Paulo,
Formadora, Conselor, Pesquisadora em Ciências da Educação.

 

 

 

[1] R.B. Haynes, D.W. Taylor , D.L. Sackett (1979). Compliance in Health Care. Baltimore, MD: John Hopkins University Press (1-15).

 

 

 

 

 

[2] Em 1984, a Câmara da Indutria e do Comercio dos Estados Unidos avaliou a não-compliance a 15 bilhões de dolares.

[3] P. Ley (1981). Professional non compliance : a neglected problem. British Journal of Clinical Psychology,
20 (Pt3): 151-154.

 

 

 

 

 

 

[4] I.M. Rosenstock (1974). The Health Belief Model and Preventive Health Behavior, Health Education Monographs, 2: 35-86.

[5] I. Ajzen, M. Fishbein (1970). The prediction of behaviour from attitudinal and normative beliefs. Journal of personality and Social Psychology, 6: 466-487.

 

 

 

 

 

 

 

 

[6] M. Crespo-Fierro (1997). Compliance/Adherence and Care management in HIV Disease, Journal of the Association of Nurses in AIDS Care, 8 (4): 43-54. [abstract]

 

[7] M.A. Chesney (1997). Compliance : how you can help? HIVNewlines, June: 67-72.

[8] Silva Jordan M., França Lopes J., Okazaki E., Lumi Komatsu C., Battistela Nemes M.I. (2000). Aderência ao tratamento Anti-Retroviral em AIDS : Revisão da literatura médica. In : Teixeira P.R., Paiva V., Shimma E. (sob a direção de) : Tá difícil de engolir ? Experiências de adesão ao tratamento anti-retroviral em São Paulo, NEPAIDS - Programa Estadual DST/AIDS - SP CRT DST/AIDS -SP, São Paulo.

[9] A. Abelhauser, A. Lévy, F. Laska, S. Weill-Philippe (2001). Le temps de l'adhésion.
In : In C.Bungener, M. Morin, M., Souteyrand (Eds.) L'observance aux traitements contre le VIH/sida : Mesure, déterminants, évolution. Coll. Sciences Sociales et SIDA, ANRS, Décembre 2001: 79-86.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[10] C. Tourette-Turgis (1997) L'infection VIH et les trithérapies: Guide de counseling. Ed. Comment Dire.
[texto integral fr
l es ]

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

[11] J.F. Delfraissy (sous la direction de) (2002). Prise en charge des personnes infectées par le VIH. Rapport 2002. Recommandations du groupe d'experts. (chap. 7, p. 75). Ed. Flammarion. [texto completo]

[12] C. Tourette-Turgis., M. Rébillon (2002). Mettre en place une consultation d'observance aux traitements contre le VIH/SIDA , De la théorie à la pratique. Ed. Comment Dire. (p.22-23)

 

 

 

[13] C. Tourette-Turgis., M. Rébillon (2002). Ib. (p.103-122)

 

 

 

[14] C. Pradier , L. Bentz, B. Spire, C. Tourette-Turgis, M. Morin, M. Souville, M. Rebillon, J-G. Fuzibet, A. Pesce, P. Dellamonica, J-P. Moatti (2003). Efficacy of an Educational and Counseling Intervention on Adherence to Highly Active Antiretroviral Therapy: French Prospective Controlled Study. HIV Clinical Trials, 4 (2): 121 - 131. [abstract]

[15] C. Tourette-Turgis C. (1996). Le counseling, Ed. PUF, Coll. Que Sais Je ? N° 3133.

 

 

 

 

 

[16] W R.Miller, S.Rollnick (1991). Motivational Interviewing. The Guilford Press (second edition, 2002).

 

 

 

[17] J. Flanagan (1954). The critical incident technique . Psychological Bulletin, 51 (4): 327-358.

 

[18] L. Bentz, C. Pradier, C. Tourette-Turgis, M. Morin, M. Rébillon, M. Souville J. Scherer P. Dellamonica (2001) : Description et évaluation d'un programme d'intervention sur l'observance thérapeutique (counseling) dans un centre hospitalo-universitaire, In : C.Bungener, M. Morin, M., Souteyrand (Eds.) L'observance aux traitements contre le VIH/sida : Mesure, déterminants, évolution. Coll. Sciences Sociales et SIDA, ANRS, déc. 2001: 99-112.

 

 

[19] V. Beaujolais, C. Tourette-Turgis, J. Guinvanna, S. Abel, B. Liautaud, A. Cabié. (2004). Counseling and Adherence initiative for HIV/AIDS patients in Martinique. A multicultural Caribbean United Against HIV/AIDS, Santo Domingo, 5-6-7 mars 2004. (communication orale) [ppt]

[20] M.P. Carrieri, F. Raffi, C. Lewden, et al. (2003). Impact of early versus late adherence to highly active antiretroviral therapy on immuno-virological response: a 3-year follow-up study. Antiviral Therapy, 8 (6): 585-594. [abstract]

[21] B. Spire. (2004). Faut-il rester 100 % observant ? RePI d'Act Up, Toulouse, France, 18 février 2004 [Communication orale].

 

[22] M. Enriquez, P. Gore, M. O'Connor, D. McKinsey (2003). The index of readiness as a predictor of adherence. An International Conference on Adherence to Antiretroviral Therapy, December 4-7, 2003, Dallas, Texas, USA [abstract]
 
 
 
 
 
 
 

 

O desaparecimento progressivo do termo " compliance " no campo das doenças crônicas

Na área médica observa-se uma tendência a substituir o termo " compliancia " pelo de " observancia ", especialmente na área das doenças crônicas, campo onde as pesquisas estão mais avançadas no sentido das contribuições psico-sociológicas, de modelos de intervenção e de práticas para profissionais da saúde. O avanço das estratégias terapêuticas na área das doenças crônicas permitiu duas inovações chaves em direção aos pacientes: (1) a possibilidade de viver durante mais tempo, (2) a possibilidade de ser tratado em um ambulatório ou seja, fora do hospital.
Esta saída do doente do hospital, tornou-o beneficiário de uma forte promessa terapêutica e isto em várias patologias, como por exemplo : o transplante de orgãos, o cancer, a depressão, a diabéte, a hipertensão, a asma, o infarto do miocardio, a esclerose múltipla, a epilepsia e a infecção pelo HIV. E é exatamente porque ele saiu do hospital que a équipe médica foi confrontada a um fenômeno, o que se denominou como a não "compliance", quer dizer, o fato do doente não seguir as prescrições médicas e não tomar os medicamentos no respeito das doses prescritas. Na realidade, por si só, o uso do termo "compliance" empregado em medicina até a metade dos anos 80, mostra a que ponto o campo médico percebia o paciente como um ser que devia obedecer e seguir as recomendações.
Quando se trata de definir o termo compliâcia, a referência que é sempre citada nos trabalhos anglo-saxons é a de Haynes e col. [1]. Eles definem a "compliance" como "o grau de concordância entre o comportamento do paciente (em termos de : tomadas de medicamentos, de como ele segue os regimes alimentares, da modificação do seu estilo de vida) e a opinião médica ou uma recomendação de saúde que lhe foi prescrita". Os autores que tinham o costume de utilizar o termo de "compliance" distinguiam em geral a não "compliance" primária da não "compliance" secundária. A primeira se referia a vontade do paciente, a segunda era considerada como involuntária e designava fenômenos involuntários a priori, como os esquecimentos de doses dos medicamentos. Toda dificuldade de "compliance" era atribuida ao paciente…até a explosão de pesquisas e estudos em ciências humanas e sociais no campo da medicina e da saúde.
Nos anos 60, com a sociologia interacionista (Escola de Chicago), é o tipo de interação médico-paciente que é estudada. Na realidade, o doente não é mais uma propriedade exclusiva da medicina. Ele se torna objeto de interesse para os sociólogos, os psicólogos, os antropólogos, os pedagógos e também para os economistas [2]. Nos anos 80, os autores mostraram também as dificuldades de "compliance" dos profissionais de saúde diante das recomendações médicas [3]. Por fim, admitiu-se e foi demontrado que as crenças do médico, seus prés-julgamentos positivos ou negativos, tinham também um impacto sobre o comportamento dos doentes. A "compliance" não era então um fator à ser atribuido somente ao paciente, mas dependente também da organização do sistema de saúde, da relação médico-paciente.

 

A descontrução do conceito de paciente…
Com o desenvolvimento das ciências sociais e comportamentais no campo da psicologia e da sociologia da saúde, vê-se nas três últimas décadas a de-construção do conceito de paciente.
Não devendo mais este, ser considerado como um indivíduo passivo a quem se precisa ensinar a seguir as ordens e obedecê-las (para complaire). Este tornou-se uma pessoa dotada de inteligência, de motivação, de desejos e que também tem necessidades.
Admitiu-se que as motivações, as representações e crenças do paciente tinham um papel determinante nos comportamentos de saúde e de prevenção, e por consegüência, no seu grau de observância terapêutica.
Constróem-se modelos explicativos dos comportamento de saúde como o Health Belief Model [4], a teoria da ação raciocinada [5]. O paciente não se constitui como uma identidade por si só. Ele é uma pessoa que tem atitudes e comportamentos diante de uma doença. Ele endossa o papel social de paciente quando é convocado pelo mundo médico e hospitalar mas este papel não é fixo ou determinado para sempre.
Por outro lado, o conceito de paciente não é o mesmo para o médico que o trata, para o sistema de saúde que o inclui no seu quadro administrativo, jurídico e financeiro ou ainda pela a sociedade que o reintegra ou, ao contrário, o exclui do uso dos bens comuns (o paciente é um consumidor que compra os cuidados médicos, ele é um beneficiador de direitos como o da aposentadoria por invalidez). Ele tem direitos ou ao contrário terá seus direitos amputados, como o direito ao empréstimo bancário, ou como a interdição de exercer certas profissões, quando por exemplo ele sofre de uma doença crônica. A desconstrução do conceito de paciente demonstra que este, nas suas definições, não pertence mais unicamente ao mundo médico. A medicina não constrói sozinha o paciente mas sim a sociedade como um todo que defini as múltiplas formas de existência do paciente em lhe atribuindo um estatuto, uma definição médico-administrativa, um papel esperado e uma identidade bio-clínica.

O aparecimento do termo inglês " adherence " na infecções pelo HIV

No campo da infecção pelo HIV, a literatura anglo-saxônica , sob influência de ativistas, trocou o termo "compliance" pelo de "adherence" sem que se saiba realmente a qual autor atribuir a primeira utilização do termo.
No vocabulario anglo-saxão, a passagem de um termo ao outro ocorreu depois da chegada das anti-proteases em 1997 [6] nos primeiros estudo americanos que evidenciavam as dificuldades encontradas pelos portadores do VIH ao ingerir seus medicamentos, cuja as obrigações eram evidentemente muito grandes (mais de 20 comprimidos por dia, doses complexas como a cada oito horas para o Crixivan, restrições alimentares e recomendações de hidratação).
Na realidade, na consulta da lista de posters e de apresentações de Genebra 1998, nota-se que a maioria dos autores utilizam o termo " adherence ", o que não se vê nas publicações do ano anterior [7]. Observa-se então, graças aos encontros internacionais frequentes na área do HIV, uma globalização imediata do termo " adherence " que cada país vai tentar traduzir na sua própria língua. Vários paises vão guardar o termo anglo-saxão " adherence " e se apropriar (ex. : aderencia en espanhol ou aderência em português, no caso do português é utilizado indistintamente os termos " adesão " e " aderência ").
No meio associativo françês, nota-se uma tendência a se utilizar indistintamente os termos aderência e observância (ex. : último boletim de informação terapêutica da Act Up de março 2004, onde os dois termos são utilizados em dois artigos diferentes.)
Aderência, adesão, observancia... cada termo comporta seu grau de inapropriação

Em francês, o termo "aderência" não pode ser traduzido literalmente pelo termo "adesão" pois este possui uma conotação particular nesta língua. A adesão tem como sinônimo a aprovação, o consentimento. Seu termo oposto é a palavra "ecusa". O verbo aderir significa a ação de tornar-se membro de uma organização, ele tem uma grande conotação de filiação e de pertencer a. Ele combina com uma inscrição a um plano de saúde, a um partido político. Da mesma maneira, se tentarmos traduzir o termo "adhésion" do francês ao inglês, de maneira alguma nós obteremos como resultado o termo "adherence" mas em primeira instância o de "membership" [por filiação], e em segunda instância o de "apoio" [ apoio a uma causa ("support for") ou a uma opinião ("to support an opinion")]. Em português obtém-se o mesmo, no entanto optou-se pelo termo "adesão" considerado menos autoritário de "concordância autônoma" ou "emporwerment" [8].
Alain Abelhauser e col. (2001) [9] tentaram participar com uma contribuição psicanalítica ao debate "compliance, observancia, aderência, adesão", com a defesa do uso do termo adesão que, segundo eles: "acentua bem mais esta 'dimensão subjetiva' - no sentido de que um sujeito deve se engajar pessoalmente para aceitar o que lhe é pedido."
O termo "observancia" dado suas conotações originalmente religiosas ou jurídicas (no que diz respeito ao seu uso contemporâneo, ex.: observância e respeito das leis ) também provoca questionamentos. Por causa disto, a expressão "observância terapêutica" - por especificar o campo no qual a "observância" se inscreve e se define, rompe as amarras das esferas jurídicas ou religiosas. Não é apropriado (mesmo se as vezes nós mesmas fizemos uso no passado) dizer que uma pessoa é observante ou não observante. A observância não é uma identidade e ela nunca é garantida para sempre. O que existe são dificuldades de observância ou rupturas de observância repentinas ou progressivas. Uma pessoa, em um momento X ou Y apresenta um nível de observância baixo, médio ou alto. O que é importante é explorar com ela as razões e colocar a sua disposição os meios apropriados para as suas necessidades em função do seu projeto.
Na realidade, cada termo traz em si seu grau de inapropriação e seria necessário pedir aos especialistas da linguagem e da semântica de nos propôr uma palavra ou um conceito conciliador que convenha aos profissionais das ciências médicas. Seria mesmo necessário, dispôr de dois termos : um que fizesse referência a avaliação do nível de observância e outro que fizesse referência aos processos ligados à dinâmica da observância, que serviria assim aos modelos de intervenção que visam ajudar ou apoiar os pacientes nos seus cotidianos de cuidados e em suas prescrições médicas e medicamentosas.

A observância inclui a adesão mais não se reduz à esta
O termo adesão, se ele se justifica no trabalho do tipo psicanalítico como utiliza Abelhauser, que o coloca do lado da subjetividade, não é capaz de assambarcar, no campo da intervenção psicosocial adaptada ao mundo dos cuidados médicos e paramédicos que é o nosso, co-fatores sociais, culturais, cognitivos e comportamentais que têm um impacto sobre as capacidades de uma pessoa tomar um medicamento. Nossa experiência clínica nos mostrou que se a adesão da pessoa ao seu tratamento é um fator importante para o uso deste, isso não é necessariamente obrigatório ou não é necessariamente o primeiro resultado a se obter com o paciente. Nos mostrou também que certas pessoas apresentavam um nível fraco de adesão ao seus tratamentos mesmo tendo um alto nível de observância (ex. : "não estou de acordo mais tomo porque preciso tomar !", "Não quero tomar mais tomo ! "). Também, que uma adesão inicial fraca ou alta no momento do começo do tratamento as vezes é modificada na obtenção dos primeiros resultados biológicos. Que em certas pessoas apresentando um nível de adesão inicial fraco ao tratamento, se seus primeiros resultados biológicos eram bons, este nível aumentava. Inversamente, com pessoas que apresentavam um nível de adesão inicial elevado ao tratamento, se seus resultados não eram os esperados, este nível abaixava.
O que nos incomoda na utilização do termo adesão no campo médico, são as conotações de engajamento e sua utilização reduzida do tipo binária : a pessoa adere ou não adere…Nestes termos, não existe lugar para um meio, imprecisão, oscilasões, movimentos de ida e volta…quando no entanto, os estudos sobre a observância demonstram, como aliás a prática nos ensinou (em 1997) desde a chegada dos antiretrovirais [10], que se trata mais de uma variável essencialmente dinâmica que flutua ao transcorrer do tempo e em função do que acontece na vida da pessoa.

A observância : o interesse de uma definição operacional para poder agir

A necessidade de uma definição operacional da observância nos pareceu evidente quando nós quisemos construir um modelo de intervenção utilizável pelos profissionais para acompanhar e apoiar, em termos de observância, as pessoas em tratamento. Nossa prioridade não era desenvolver um tesaurus de conhecimentos mas desenvolver práticas inovadoras no campo dos cuidados relativos às pessoas " soropositivas " ( portadoras do VIH). No entanto, a passagem da teoria à prática necessitava uma escolha das palavras a serem usadas diante de todas essas noções emergentes no mundo do HIV. Nós fizemos duas coisas : (1) optamos pelo termo de observância terapêutica, (2) e criamos uma definição operacional de tal forma a poder construir um modelo de intervenção.
Para nós, era preciso esplodir o conceito existente de observância - construido pela literatura francesa pré e pós-HIV sobre o modelo da definição geral de Haynes et Sackett - que é somente uma definição de resultados. Era preciso nos descentrarmos de uma definição relevando do resultado esperado = "comportamento através do qual a pessoa usa seu tratamento medicamentoso com a assiduidade e a regularidade ótimas, segundo as condições prescritas e explicadas pelo médico : seguimento correto das modalidades medicamentosas em termo de dosagem, da forma, da via de administração, da quantidade por dose e por dia, respeito dos intervalos e condições específicas de alimentação, jejum, bebidas ou de substâncias podendo alterar a cinética do tratamento " [11], para nos centrarmos nos processos que conduzem ou não à este resultado.

Foi assim que nós criamos a definição operacional : "A observância terapêutica designa as capacidades de uma pessoa a usar um tratamento segundo uma prescripção dada. Essas capacidades são influenciadas positivamente ou negativamente por co-fatores cognitivos, emocionais, sociais, e comportamentais que se interagem entre eles." [12].

Nós hesitamos entre o termo "competências" e o de "capacidades" e escolhemos este último pois na língua francesa o termo "capacidades" contém uma dimensão psíquica que o termo "competências" não contém.
A consideração de 4 tipos de co-fatores e de suas interações implicava ir além da questão da éducação terapêutica preliminar indispensável, mas insuficiente na hora de usar ou modificar um tratamento anti-retroviral. O foco colocado na interação entre os co-fatores se mostra pertinente na prática e teremos a ocasião de explicitar logo mais os resultados. Descobrimos na verdade, que os resultados obtidos no final de uma intervenção embasada em dois ou três co-fatores provocava um impacto no quarto co-fator sem que a intervenção tivesse precisado abordá-lo. Por exemplo, se ajudamos uma pessoa a se sentir melhor e se lhes damos meios de melhorar suas condições de vida, ela vai por ela mesma, se interessar pelo seu tratamento e procurar aprender como manipulá-lo. De mesmo modo, uma pessoa a quem se dá acesso a informação, vai modificar suas representações e isso terá um efeito em termos de seus comportamentos. A pessoa tem a impressão de recuperar um sentimento de controle em relação ao que se passa em sua vida e por conseqüência, seu nível de auto-estima aumenta o que em retorno, influencia positivamente reduzindo uma parte de seus estados emocionais negativos, e assim por diante.

MOTHIV : um modelo de intervenção visando permitir aos profissionais de saúde provocar, sustentar ou manter o grau de observância terapêutica de suas populações.

A realização da definição operacional nos permitiu desenvolver um modelo de intervenção que em 2002 chamamos MOTHIV [13], e que se dirige à parte dinâmica mais mobilizável, em primeiro lugar, na pessoa.
Catherine Tourette-Turgis havia observado na prática que certas pessoas precisavam saber para agir, que outras precisavam que ela lhes ajudasse primeiro a agir, antes mesmo de explorem juntas suas representações, suas necessidades de informações e suas expectativas. Outras muitas vezes precisam que se escute seus sentimentos, certas vezes a níveis profundos, antes de começar a pensar a agir. Outras precisam em primeiro luga, que se trabalhe na melhoria de suas condições de vida para que elas possam em seguida, parar e se perguntar o que é importante saber e fazer para usar ou recomeçar um tratamento.

A eficácia de MOTHIV foi comprovada no momento da sua primeira aplicação e avaliação em 1999 na França em três serviços do Centro Hospitalar Universitário de Nice [14]. Na forma de uma experiência randomizada com dois braços ( grupo ação [GA] / grupo testemunho [GT] ) contendo cada um 244 pacientes em tratamento anti-retroviral. A intervenção junto aos pacientes do GA consistiu em quatro entrevistas de enfermagem "aconselhamento" em seis meses, na saída das consultas médicas; os pacientes do GT beneficiaram de um acompanhamento médico tradicional.

Nosso "aconselhamento" [15] dá uma importâcia primordial ao estabelecimento de um clima de escuta e de entrevista que rompe literalmente com a prática médica do interrogatório, mesmo se as enfermeiras que a praticam dispõem de guias de entrevistas. É fundamentado no estabelecimento de uma relação na qual a empatia ganha sobre a autoridade e o apoio sobre o controle. Uma outra das nossas orientações principais em MOTHIV se resume na formula simples : Falar de observância não é somente falar de medicamentos mais da vida que os acompanha !

A escolha do nome MOTHIV está ligada ao fato que o modelo se apóia na teoria da motivação, esta não sendo pensada como um aspecto estático correlato a uma visão binária do mundo, tipo : a pessoa tem motivação ou não tem motivação, e cujo as conseqüências ja conhecemos bem, principalmente quando esta visão binária é usada no terreno da saúde, especialmente no campo da adictologia onde se espera que a pessoa tenha motivação para começar o tratamento ou o acompanhamento terapeutico. Nós nos apoiamos nos trabalhos de pesquisa e nos modelos de intervenção de W.R. Miller e S. Rollnick [16] no campo da saúde e em particular, no que diz respeito ao tratamento das adicções. En resumo, estes autores posicionam a motivação como uma variável dinâmica que se produz e se conserva sob certas condições. A questão da motivação é então realmente uma questão que deve ser partilhada entre o paciente e a equipe e mesmo com atores exteriores ao mundo médico, e não uma questão que se encontra somente do lado do paciente. Em termos práticos esta questão pode ser formulada assim : O que nós podemos colocar em prática ou facilitar aqui no serviço prescritor ou em outro lugar, para promover, apoiar e manter a motivação do paciente X ou Y em relação aos cuidados de saúde e ao seu tratamento ?
MOTHIV se apoia também na teoria do incidente crítico desenvolvida por Flanagan [17]. Esta abordagem é interessante por antecipar as rupturas de observância " desculpabilizando " o paciente de antemão e, acima de tudo, lhe dotando de uma resposta (" savoir faire ") apropriada em caso de incidentes dependentes ou independentes da sua vontade.

Depois da sua implantação em forma de uma experiência clínica no Centro Hospitalar Universitário de Nice [18], nós montamos ou ajudamos várias equipes a montar na França e nas ilhas francesas suas "consultas observância" : serviços doenças infecciosas do CHU de Fort de France na Martinica (Dr. Cabié) ; do Hospital Marigot de Saint Martin das Caraíbas ; do CHRU de Tours (Pr. Choutet et Pr. Besnier) ; do Hospital Tenon, impulsionada pela enfermeira chefe Monique Gallais (Pr. Pialoux) e do serviço de imunologia do Hospital Europeano Georges Pompidou (Pr. Kazatchkine). Um modelo precisa se desenvolver, se implantar para manter vivos os valores que o fundamentam e para avançar os procedimentos pedagógicos que o sustentam. A cada vez que nós trabalhamos na implantação de MOTHIV ou que damos apoio metodológico, os serviços com os quais trabalhamos na França ou em outros países do mundo (Marroco, Congo, Camboja, Brasil) nos conduzem a re-questionar a " realizabilidade ", a pertinência, a perenização do nosso modelo de intervenção,o que realmente estimula e entusiasma toda a equipe da Comment Dire. As vezes, os serviços nos levam a lhes propôr uma adaptação de MOTHIV que, por ela mesma, nos leva a desenvolver novos conceitos, como por exemplo o que se passou quando criamos em 2002 o esquema e ferramentas de apoio metodológico da consulta de preparação ao tratamento do CISIH da Martinica [19].

Na realidade, foi durante uma sessão de capacitação conduzida por Catherine Tourette-Turgis, que a equipe do Serviço do Dr. Cabié (CHU de Fort de France- Martinica) decidiu de desenvolver um programa de intervenção para a preparação ao tratamento. Na época, um número muito importante de pacientes do serviço haviam começado um tratamento e à priori, seus resultados virológicos não eram bons, em alguns casos os pacientes tinham sido considerados " perdidos de vista ", ou seja, pacientes que não voltavam ao serviço. Mais ou menos Cinquenta pessoas por ano começavam um tratamento ARV. A carga de trabalho em torno destas 50 pessoas correspondiam a metade de um posto de enfermeira ( meio expediente ) que o CHU Martinica ia poder colocar à disposição para este novo tipo de consulta. Ao mesmo momento, começava-se a ressaltar - o que foi confirmado depois [20,21], a importância capital de um nível elevado de observância inicial (95%, mesmo 100%) sobre a resposta virológica e imunológica em 3 anos. Foi assim que ela propôs na Martinica, que o protocolo MOTHIV que nós iamos colocar em prática contenha, a título experimental, uma simulação do tratamento de uma semana. Os pacientes, todos conscientes desta simulação, receberiam o número equivalente de medicamentos de seus tratamentos mas estes seriam feitos de capsulas de milho tendo as mesmas cores que os medicamentos reais que seriam prescritos. A idéia era permitir que se preparem a usar seus medicamentos, analisar suas necessidades e, acima de tudo, resolver ou lhes preparar à resolução de problemas que surgiriam no decorrer da passagem de uma soropositividade vivida sem um tratamento à uma soropositividade vivida com um tratamento. Catherine Tourette-Turgis fazia a hipótese que a preparação, ou seja esta passagem, já era uma experiência inicial suficientemente pesada para a pessoa e pedia um dispositivo em si, antes mesmo de falar dos efeitos colaterais dos medicamentos reais e sua gestão. Foi então à partir dos dois elementos : o pedido e escolha da equipe de direcionar a consulta para as pessoas naives de todo tratamento ARV e a necessidade de um elevado nível de observância inicial que nasceu e se desenvolveu passo à passo no sua mente o conceito de " primo-observância " que nós incluimos e desenvolvemos em MOTHIV.

Da noção de observância inicial ao conceito de primo-observância

O que nós entendemos por primo-observância em relação à um portador do virus HIV ou uma pessoa tendo uma doença crônica naive de todo tratamento (primo-tratada) é ao mesmo tempo uma experiência inicial e uma ajuda durante um tempo para a mobilização de suas capacidades à utilizar um tratamento segundo o nível de observância pedido. No caso da infecção pelo HIV a questão é co-criar com o paciente e apoiá-lo a uma primo-observância superior a 95% para obter uma eficácia terapêutica imediata e um sucesso virológico a longo prazo. Nossa opinião e experiência nos diz que a primo-observância requer o desenvolvimento de uma intervenção intensa e bi-fásica contendo uma preparação ao tratamento antes do uso efetivo pelo paciente de seu tratamento [podendo incluir uma simulação antes de expô-lo a seu primeiro encontro com o(s) medicamento(s)] e um apoio de maneira assídua durante os três primeiros meses de seu tratamento.

A intervenção, conduzida pelo profissional responsável desta consulta, contém um trabalho de auto-avaliação pelo paciente do seu grau de preparação ao uso de um tratamento. - Ele se sente preparado ou não para começar um tratamento ? Ele concorda ou não com a decisão do médico ? O que ele compreendeu e percebeu ? - É visível desta maneira, a matéria prima para uma escuta e para um esboço de relação profunda entre a pessoa que pratica este tipo de aconselhamento (" counseling ") e a pessoa que vai começar seu tratamento. Existe um pressuposto existêncial que se compartilha. Se preparar é atravessar um caminho de dúvidas, de medos, de raivas. O primeiro tratamento desperta algumas vezes, a dor vivida no momento da descoberta da soropositividade, o sofrimento que a situação assintomática tinha ajudado a adormercer.

Na realidade, e nós observamos e verificamos na Martinica, a simulação desarma por si só muita ãnsia e reduz o stresse do paciente. O que se passa ? A pessoa experimenta junto com seu aconselhador(a), ela tenta, pode se confundir, cometer erros, estudá-los junto(a)s e elaborar estratégias a partir destas tentativas e erros. Os atores de saúde, sabendo que existe um período de experiência, por sua parte, são menos stressados quando eles apresentam os remédios aos pacientes. Que dispõem de um pouco de tempo para distingüir entre o que vem da introdução na vida cotidiana do uso de um medicamento e o que vem do impacto do uso de um tratamento em suas vidas familiares e profissionais (aonde eles vão guardar os medicamentos ? como fazer para tomá-los sem serem visto ?…). Eles podem tratar estas questões sem serem incomodados pelos efeitos colaterais tais como a diarréia, as dores de estomago, os vômitos, as nauseas que os enfraquecem no início detes. Eles podem guardar o controle e se manterem melhor em forma para resolver os problèmas ligados à entrada em uma outra fase de suas soropositividades.

Como saber se a pessoa está pronta para tomar um medicamento ?

Os estudos, e mais recentemente na conferência internacional sobre a observância terapêutica que se realizou no Texas do 4 ao 7 de dezembro 2003, várias apresentações fizeram de maneira recorrente essa pergunta. Um pesquisador, o Dr. Enriques [22], da Universidade do Norte da Carolina Chapell Hill, apresentou nesse encontro um index de medidas do grau de preparação (readiness) do paciente para um tratamento que ele testou e readaptou junto à 36 pessoas em falência terapêutica provocadas por dificuldades de observância. Seu estudo mostra que as que atingiam scores mais altos na escala de medida do grau de preparação que ele criou, tinham melhores resultados virológicos seis meses depois da retomada do tratamento. Este autor conclui que é preciso desenvolver intervenções visando preparar os pacientes para a retomada de um tratamento fracassado. Nós citamos este estudo pois não existe, ao nosso conhecer, instrumentos de medida do grau de preparação ao primeiro tratamento. No entanto, nos parece mais sensato desenvolver dispositivos que apoiem mais a preparação, do que confiar em instrumentos preditivos que correriam o risco de barrar o acesso ao tratamento a muitas pessoas. Uma tal leitura do nível de preparação a transformaria em uma medida estática e de exclusão como já é o caso, e que nós já assinalamos neste texto, em relação à motivação. É importante aqui lembrar, dos ensinamentos da psicologia que nos diz que não há obrigatóriamente necessidade de se sentir preparado para fazer uma coisa, para começar a fazê-la. No entanto, quando começa-se a fazê-la, freqüêntemente precisa-se de um guiamento e de um certo tipo de presença ao seu lado.

Copyright 2004 by Counseling, Santé et Développement

 

A propos de Counseling VIH Publications Comité Scientifique Copyright Financeurs Carte du site E-mail
Copyright © 2002., "Counseling, Santé et développement" - Tous droits réservés
Design graphique : bleu citron - meilleure résolution : 800x600